A SEFIROT E O HOMEM
Ao centro de Sua Criação, D-s colocou o homem, insuflando-lhe uma centelha Divina, que se constitui na essência de sua vida interior. Apesar de ser o homem composto de matéria e espírito, seu corpo é somente o invólucro material dessa faísca Divina.
Criando o homem
apenas à Sua imagem, D's deixou-o livre para escolher caminhos e para
transcender
a si mesmo, a suas contradições internas, suas inclinações, sendo
capaz de atingir as alturas e as profundezas espirituais. Deixou-o livre para
se afastar ou se aproximar Dele.
No homem, a busca
de si mesmo, de seu "eu verdadeiro", inicia-se com o primeiro
vislumbre de consciência e perdura até o último fôlego.
Todo homem anseia
imbuir sua existência de sentido e objetivo, mas a realidade física em sua
volta, bem como seus medos e desejos, interferem em sua percepção. Às vezes, ao
acelerar o ritmo de sua vida para obter as coisas que deseja, acaba relegando
para um segundo plano a procura do eu verdadeiro.
A Cabalá é uma
doutrina de unidade através da qual o homem pode aprender que a realidade é um
todo no qual o visível e o invisível, o material e o espiritual se misturam e
se unem. Segundo o Talmud, antes de vir para o mundo nosso saber é ilimitado.
Nossa alma é repleta de sabedoria. Mas, ao nascimento, um anjo "arquiva"
todo esse conhecimento em nosso inconsciente. E, assim, no decorrer da vida
devemos "reaprender" esta sabedoria, transformando-a em realizações.
A Cabalá ensina que
o homem criado à "imagem de D's" é um microcosmo de Seus poderes, e
as qualidades básicas da mente e da emoção humana são o reflexo das
"Qualidades" usadas por D's para criar e governar Sua criação. As
faculdades mentais do homem refletem o Intelecto que D's usou para criar o
mundo e, desta forma, o homem tem a capacidade de compreender as leis e a
lógica da Criação.
A Cabalá ensina que
a busca do "eu verdadeiro" deve trilhar o caminho da alma, pois esta
é a verdadeira essência do homem, sua parte infinita, seu eu inapreensível. É
quem nos dá a vida. É o centro espiri-tual, a parte do ser que ama, sente,
percebe. É a fonte de energia inesgotável que permite criar, verbalizar,
conectar-se com os outros em nossa volta e se manifesta através da mente, das
emoções e dos atos.
Segundo a Cabalá o
homem é composto das mesmas "forças fundamentais", da mesma
"matéria prima" através das quais D's deu forma e conteúdo à Sua
Criação: as Dez Sefirot. Estas se originam no Infinito do Ein Sof e emanam
através dos mundos, olamot, criando uma "corrente espiritual" que
liga e vivifica todas as coisas. É através das Sefirot que a Energia Divina
flui, permeia e se torna parte de cada coisa vivente.
A alma do homem - a
Centelha Divina, a neshamá - é o "cordão umbilical" que transcende
todos os universos, olamot, e nos liga ao Infinito, o Ein Sof, a D's. Sendo composta
da essência interior das Sefirot, a alma humana manifesta os atributos ou
qualidades das mesmas. Portanto, pode-se dizer que a alma do homem é o
"cabo condutor" através do qual fluem e se individualizam as Dez
Sefirot, enraizadas no mundo espiritual, tornando-se as bases de nossas
personalidades. A maneira pela qual cada um de nós se relaciona com o seu meio
é "produto" das possíveis combinações de Sefirot.
Nos textos
cabalísticos a configuração das Sefirot é descrita graficamente como um arranjo
vertical ao longo de três eixos paralelos, ou kavin, numa alusão ao corpo
humano. Conseqüentemente, cada Sefirá é associada a um membro específico.
No homem, as Dez
Sefirot podem ser divididas em dois grupos. O primeiro, chamado de Sêchel, é
composto das Sefirot Chochmá, Biná e Da'at, e representa os processos internos
mentais. O segundo, composto das outras sete Sefirot, é chamado de Midot e
representa o coração e as emoções humanas. É atributo da mente o direcionamento,
enquanto o sentimento não tem direção.
Mas, acima de todas
as Sefirot está Keter. No homem, esta é a verdadeira essência do ser criado à
imagem de D's. Superior ao próprio pensamento, Keter é fonte da vontade, do
querer, do livre arbítrio. É através de sua vontade que o homem consegue se
elevar acima de todas as pressões externas ou internas e tomar suas decisões,
independentemente de todas as considerações. E é o arrependimento o que faz o
homem se conectar com Keter.
As Sefirot da mente
Chochmá - Sabedoria.
É o fluxo de energia responsável pela inspiração e criatividade, a base da
percepção intuitiva. É o pensamento em seu estado mais puro; aquele que não
emana de um processo racional. É a "alma da idéia", o estalo
subconsciente que desencadeia o raciocínio.
Esta Sefirá é
também chamada de mochá setumá, "a mente oculta", uma metáfora para
definir o subconsciente. Chochmá contém os elementos básicos de nossa
personalidade, é a base sobre a qual a construímos. Segundo o Zohar, é a
"totalidade de toda a individua-lização", pois nela estão
incorporados, ao nascer, os axiomas fundamentais do conhecimento e da
sabedoria. Chochmá é também a capacidade que o ser humano tem de aprender com
os outros. Quem tem Chochmá, perguntam nossos sábios no Pirkei Avot, a Ética
dos Pais. É aquele que aprende com todas as pessoas. No corpo 'sefirótico' é a
parte direita do cérebro.
Biná -
Entendimento. É a compreensão, o racio-cínio dedutivo. É o sistema lógico
através do qual o fluxo de pensamento proveniente de Chochmá é delineado e
definido. Esta Sefirá direciona o primeiro "estalo" momentâneo e
ainda sem forma, tornando-o tangível. É a habilidade inerente a cada ser humano
de sintetizar, racionalizar, fazer distinções lógicas e desenvolver mentalmente
uma idéia. Em Biná é estabelecida a linha de pensamento. Considera-se como
sendo uma Sefirá feminina se comparada à Chochmá masculina. A Cabalá usa a
metáfora literária de "pai" e "mãe" para descrever a
relação que existe entre a idéia embrio-nária e a já desenvolvida, entre Chochmá
e Biná. No corpo 'sefirótico', é a parte esquerda do cérebro. Os estudos
científicos recentes sobre as funções cerebrais humanas têm associado a
criatividade com a parte direita do cérebro e a lógica e a racionalização com a
esquerda. Exatamente como o faz a Cabalá.
Da'at -
Conhecimento. É a lógica aplicada, a verificação abstrata dos fatos, a
cristalização da consciência em termos de conclusões. Da'at assegura a
continuidade do pensamento pois cria uma ponte entre as atividade cerebrais
Chochmá e Biná. A habilidade que temos de expressar nossa inteligência, de
comunicar nossos pensamentos, de desenvolver um tipo de relacionamento
inteligente com o mundo se resume em Da'at. Os processos mentais só tomam forma
quando são externalizados pelas Sefirot da emoção e Da'at é responsável pela
conexão entre a mente e as emoções.
As Sefirot da
emoção humana
Estas são divididas
em dois grupos. As primeiras três Sefirot - Chessed, Guevurá e Tiferet -
representam as relações que envolvem o dar, num sentido unidirecional. Neste
nível ainda não há reciprocidade nos relacionamentos. As três seguintes -
Netzach, Hod e Yessod - agem diretamente no mundo real e representam
relacionamentos onde há reciprocidade e "concretização" dos
sentimentos.
Chessed - Graça,
amor. É o altruísmo, o compartilhar, o dar incondicional, a bondade, a mão
estendida para o outro. A Torá nos ensina que Criação foi imbuída de altruísmo
e o amor é a emoção mais básica no ser humano. Orientada para os outros,
Chessed é a primeira das Sefirot de ação responsável pelo início da interação,
a primeira centelha que inicia a ação. Representa a extroversão, o fluxo de
energia que nos abre para o mundo. Quando estendemos nossa mão para o outro é o
fluxo de Chessed que se manifesta. O homem de Chessed é aquele que dá de si
mesmo, seja em termos de vontade, afeição ou relação. Abraão é o patriarca que
representa este atributo Divino.
Mas Chessed é um
sentimento e sentimentos internos não possuem uma direção. O dar de si sem
limites ou direção, o dar indisciplinado, pode levar ao esgotamento. Por isso
mesmo, o fluxo da bondade e altruísmo deve ser guiado pelas Sefirot da mente.
Segundo os ensinamentos místicos, a maneira fundamental de penetrar no mistério
da Chessed é amando D's ao extremo. Conseqüentemente, amando todas as Suas
criaturas. O que é um Chassid, perguntam nossos sábios. Alguém que age por amor
a D's. No corpo sefirótico, Chessed é o braço direito.
Guevurá - Poder,
força. É o recuo das forças para dentro de si, a auto-contenção. O fluxo de
Guevurá é a fonte de energia para a justiça, o controle, o domínio sobre os
impulsos. Na Guevurá o ser humano encontra a força e a habilidade de superar
sua natureza, suas contradições e conflitos.
Perguntam nossos sábios, na Éticas dos Pais: 'Quem é forte? Aquele que controla seus impulsos', pois é mais difícil refrear seus próprios impulsos do que resistir a um perigo externo. Isaac é o patriarca símbolo da Guevurá, pois ao ser atado tinha controle total sobre si próprio, ao ponto de anular sua própria vontade. Não controlada, esta Sefirá pode levar o homem a uma situação em que não consegue dar nem receber, uma retração total em si mesmo, podendo ser fonte de energia para o ódio e o medo. No corpo sefirótico, é o braço esquerdo.
O Talmud aponta-nos
algo essencial sobre as relações humanas: devemos aproximar as pessoas em nossa
volta com a mão direita; mas, ao mesmo tempo, mantê-las à distância com a
esquerda. Só assim o homem poderá manter em cada relacionamento sua própria
identidade.
Tiferet - Beleza e
harmonia. Esta Sefirá também é chamada de Rachamim, compaixão. Tiferet
equilibra os fluxos de Chessed e Guevurá. É o dar equilibrado, o julgamento
atenuado pelo amor. A habilidade de harmonizar e integrar os dois extremos.
Representa o desenvolvimento do ser humano até seu maior poten-cial. Os sábios
nos ensinam que nossa compaixão deve estender-se sobre todas as criaturas, não
desprezando nem destruindo nenhuma delas. Tiferet representa também a verdade,
pois a pessoa só pode ser verdadeira se estiver equilibrada e somente estando
ela mesma equilibrada poderá ter relações equilibradas. Jacob é o patriarca que
simboliza a Tiferet. Ele é exemplo daquilo que o Talmud define como uma pessoa
verdadeira: "aquele que é por fora aquilo que é por dentro". No corpo
sefirótico, é o tronco.
Netzach -
Eternidade. É a vontade de vencer, conquistar; o impulso profundo de
realização. À medida em que surgem os sentimentos, devem ser realizados através
de relacionamentos. Netzach é primeira Sefirá onde há reprocidade. Ensinam-nos
nossos sábios que "mais que o discípulo quer aprender, o mestre quer
dar". Esta Sefirá é responsável pela necessidade que cada homem tem de se
relacionar com o "outro". E isto pode ser participar de numa
conversa, estender a mão ou simplesmente praticar qualquer ação que toque o
outro. Netzach significa vitória; conseguir sair das limitações do nosso
próprio ser para entrar no mundo do outro. É o dar de acordo com as
necessidades de quem esta dando. Moshé Rabeinu representa o fluxo de Netzach.
Este atributo é a perna direita do corpo sefirótico.
Hod - Esplendor. É
a sinceridade, o zelo. Na luta para o cumprimento das responsabilidades ou
atingir o que se deseja, é o poder de rechaçar os obstáculos que surgem e
perseverar. Relacionamentos sinceros ou duradouros não resultam de um simples
alcançar o outro. Dependem também de nossa habilidade de criar um espaço
interno para aceitar o outro. É o dar de acordo com as necessidades de quem
recebe. É estar em total conformidade com a identidade do outro. Hod restringe
e contém o fluxo de Netzach para que o relacionamento não se torne dominador.
Aarão é o símbolo de Netzach. No corpo sefirótico, é a perna esquerda.
Yessod -
Fundamento. Representa o poder da conexão, a força vital procriadora. Yessod é
o pilar cósmico, o eixo do mundo. Esta Sefirá representa o tipo de relação
recíproca onde todo o ser está envolvido, é o estreito vínculo entre dois
entes. A capacidade de fazer contatos e se relacionar com os outros. É também o
poder de comunicação e a habilidade de se concentrar na pessoa com quem estamos
comunicando-nos. A luz e o poder das Sefirot são canalizados por Yessod e
através deste chega-se a Malkut. José, filho de Jacob, representa Yessod.
Malkut - Reinado. É
a vivência, a realização do potencial no homem. É a transição da alma para a
existência externa; do pensamento para o fato. Assim como um ângulo define o
encontro de duas ou mais linhas, Malkut define o ponto de encontro de todas as
Sefirot, sua expressão final. Representa a coesão final em um relacionamento. O
Rei David representa esta Sefirá.
Conclusão
O homem está ligado
a um sistema de mundos superiores, apesar de este sistema não lhe estar
revelado. Cada um de nós é composto por fluxos espirituais de energia que
definem nossa personalidade. Através de nossas ações e como resposta a estas,
que estabelecemos (ou não) um equilíbrio entre o espiritual e o material nossa
mente e nossas emoções, assim como entre nós e o mundo que nos cerca. A jornada
mística da busca do 'eu verdadeiro' se inicia com a conscientização deste fato
espiritual da vida.
Para a Cabalá, as
Sefirot não são um sistema teológico abstrato, mas sim um mapa da consciência
humana através do qual poderão ser descobertas as dimensões do ser, pois a
totalidade espiritual e psicológica do ser humano pode ser obtida pela
meditação nas qualidades de cada Sefirá e pela imitação dos atributos Divinos.
Estas descobertas poderão levar a uma revolução na percepção do sentido da
vida.
Um dos preceitos
básicos do Judaísmo é que a vida tem sentido, e a meta do homem é se
aperfeiçoar e aperfeiçoar ao mesmo tempo o mundo à sua volta. A Cabalá nos
ensina que o homem é a única criatura que tem como superar sua natureza
interna, suas inclinações, aperfeiçoar-se espiritualmente aproximando-se desta
forma de seu Criador.D's disse a Abraão: "Vai". Segundo nossos
sá-bios, este versículo tem uma mensagem que se destina a todas as pessoas...
"Vai para dentro de ti mesmo; conhece-te e completa-te".
Terminando,
deixamos com os leitores de Morashá, para reflexão, este pensamento do Rav
Abraham Kook, erudito deste século que ora termina: "Quanto mais forte és,
mais precisas procurar-te".
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